Quem vive na era da Internet já
deve ter se deparado em algum momento com aquela frase: “meus gostos são muito
peculiares, você não entenderia”. Sinceramente, sempre que leio essa frase,
sinto que ela me veste como alfaiataria, o toque mágico da fada madrinha antes
do baile. Quando penso na minha história, em quem é a Dionizia, imediatamente
sou transportada para uma cozinha, cores, aromas, texturas... vocês não
entenderiam!
De todos os prazeres (mundanos,
metafísicos, angelicais), comer é o que me faz mais feliz. Você deve se
perguntar: “Mas e ver sua filha sorrir? Ou andar? Suas primeiras palavras? As
pequenas e grandes conquistas diárias de sua evolução?”, sim! Isso me faz
feliz. Mas, peço licença para poder pensar em mim, naquilo que julgo ter o poder
de mudar, moldar, palpitar, ser e estar. Para uma mãe é incrível acompanhar sua
cria, é claro! Mas, vamos pensar sobre o individuo, sobre quem sou além do meu
recente cargo de mãe – e a coisa pela qual a maioria enxerga como único Ato.
Sou mais. E comer ocupa uma grande fatia desse todo.
Quando penso na minha infância,
me sinto privilegiada. São tantas lindas memórias que me aquecem o coração e
enchem os olhos... coisas tão lindas que posso senti-las vivas... uma grande
família, pais, irmãos, tantos tios e primos que não saberia contar... lembro da
casa da João Antônio, da cozinha de armários amarelo gema, do meu cantinho na
sala, um baú que viera da Itália, fugindo da guerra com sua antiga dona nossa
vizinha e, já na década de 90, vivia sua aposentadoria sendo o guardião dos
meus tesouros – que os adultos insistem em chamar de brinquedos! -. Lembro que
o ar cheirava à samambaia, uma casa na sombra, seu piso frio e os escandalosos
Paz & Azevedo fazendo a máquina funcionar.
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Mãe e Pai, dona Geralda e Sr Inácio |
Sou dada a divagações, mas, voltemos ao foco do prazer maior, a comida. Nessa mesma cozinha amarela arrisquei todos os meus primeiros passos, tudo começava e terminava nela, seu relógio de pato ditava o ritmo e a Dona Geralda comandava seu jovem exercito. Havia um pequeno espaço entre a pia e o armário de pratos, nele ficava um banquinho de madeira que era o verdadeiro quebra-galhos daquela casa. Ficava sobre ele vendo minha mãe fazer sua mágica, usava-o para lavar louça escondida, trepar na janela, alcançar tudo o que não devia e mais... Ali aconteciam longas jogatinas de baralho, conversas sérias, incríveis refeições em datas comemorativas, saladas de todas as cores pros churrascos de última hora, foi onde comi à força aquele tal creme de espinafre que hoje sou fã, onde ocorreu aquele fatídico episódio da mordida no crânio e onde ataquei um pote de leite condensado para nunca mais repetir! Era onde meu pai preparada milimetricamente seu famoso café e me servia na xícara rosa ou onde fazia o que acho ser o campeão de bilheteria: ovo frito com a gema mole. Nós dois passamos bastante tempo juntos e foi lindo!
Ah, Roberto... São tantas
emoções! Tantos carnavais... finais, recomeços, enlaces, festas enormes,
amigos, vizinhos, parentes, animais de estimação... de tudo tivemos um pouco –
ou muito, mesmo!
Franguinho no molho da tia
Carminha, sopa de feijão ou spaghetti com brócolis da tia veia, coentro fresco
recém chegado da feira de sábado, noites da pizza caseira, xingos por causa da
massa do gnocchi, da lasagna, da maquina de macarrão que se soltava a todo
instante... comida era a nossa liga. Sempre foi, ainda é. Costumo falar para as
pessoas que na minha casa não existe ‘almoço de domingo’ pois, todos os dias
estamos nós, numerosos, do fogão para a mesa, do mercado para a feira,
gargantas potentes, risos escandalosos, fiéis devoradores apetitosos.
E, por tudo isso que está tão em
mim, que é tão meu, resolvi compartilhar nossas aventuras na alquimia dos
alimentos para, quem sabe assim, conseguir mostrar pra vocês de onde vem todo
esse apreço pelo meu prazer preferido de todos: comer.
Espero que gostem!
Com apetite,
Dinda
Acho que tive o privilégio de ser um dos primeiros a ler esta narrativa gastro-familiar, ela mostra bem como não há regras ou leis para o amor ser demonstrado. Fico muito feliz com sua iniciativa de escrever suas experiências! E gostaria de indicá-la como melhor professora de cozinha que já tive!!
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